martes, 19 de marzo de 2013

Bougainvillea


A primeira flor de Bougainvillea já não deve demorar...
A bicicleta pesa menos.
Os olhares da pessoas são escuros.
Na rua ouço alguém perguntar se o Chipre é um país.
No Inem só há sombras, desde os gestos nervosos dos dedos, até aos papeis dobrados na mão e as dobras da alma, já para não falar dos olhos fundos como um poço.
Então encontrei-a a ela.
  • Afinal sempre nos encontramos no Inferno...
Rimo-nos e demos um abraço longo.
Depois tomámos café com a pressa dos que têm sol numa terça a meia-manha.
Falamos da raiva, da impotência, da necessidade de pôr bombas, de todos os que conhecemos que estão desempregados, de não haver esperança e sentir-se encurralado... Depois disse-me que está a trabalhar como voluntária numa casa de acolhida a bebés mal-tratados e entregues aos serviços sociais.
Vi uma luz longa nos gestos dela e o mundo tornou-se um pouco menos frio, muito menos vazio de sonhos.
Enquanto houver gente assim, as lágrimas e o riso têm sentido.
A primeira flor de Bougainvillea já não deve demorar...




martes, 19 de febrero de 2013

Mediterrâneo

                                                                           Foto:Laura Olmos Bonet



Um lugar inocente, beleza, vida.
A luz do Mediterrâneo a brincar nas escamas metálicas do peixe do Gehry.
Gente a correr, cães e bicicletas.
Uma mulher encostada à paragem do autocarro. Os olhos fixos no mar azul, uma mão a apertar o fio do pescoço, a outra a abraçar uma capa transparente recheada de folhas e os lábios a mover-se em reza.
Lá dentro, vi um casal abraçado a chorar e gente com o olhar perdido no mesmo mar, à espera de respostas, ainda que líquidas.
Apertei a mão da minha filha e fiz-lhe cócegas até ela deixar de olhar em volta.
A dermatologista era portuguesa. As covinhas do sorriso dela lembraram-me os telhados da Mouraria cheios de sol.
Depois mandei 3 mensagens a dizer o mesmo:tudo bem. Mas quando o mar passou a deslizar pela janela do autocarro, eu senti como uma parte do meu olhar mergulhou fundo e devagarinho no Mediterrâneo.
Ficou lá, voltei sem ela, porque me sinto mais leve.