martes, 9 de junio de 2009

Desconhecidos?

Aproximou-se com passo seguro. Como se estivesse habituada a faze-lo.
Perguntou-me se podia sentar-se à minha mesa.
Eu, simplesmente escrevia, e tenho o costume de estar sempre disposta a ouvir estranhos.

Da mesma forma, que sempre guardo as fotografias que encontro na rua.

Desconhecidos insondáveis.

Uma vez, em Lisboa, encontrei as pertenças de uma mulher idosa, metidas em sacos e caixotes.
Presumo que tivesse morrido.
Entre colares de plástico, um coador de chá e roupa velha, estava a fotografia.
Uma mulher séria, de lábios finos e vestida à moda dos anos 20.
O que terá condenado aquela mulher a morrer só?

Estou a desviar-me do que quero contar-vos...
Sentou-se, com um cigarro na mao esquerda, e perguntou-me tranquilamente:
-Podes salvar-me? Salva-me.
Nao tive tempo, sequer, para lhe perguntar em que podia ajuda-la, ela continuou, a olhar-me nos olhos, serena, como se olha alguêm que sabemos que nos vai entender perfeitamente(sim, essas pessoas existem) e a falar.
- O poço profundo em que mergulho de noite.É tao vazio e tao escuro.
E os fantasmas...Já nao me assustam, mas também nao me deixam.
Estou cansada deles, das imagens deles.
Podes salvar-me?
Dos pesadelos de todas as noites, de maos adultas que eu nao entendia.
Do abandono.
Do desamor.
Da cama elástica movida a raiva, que nunca mais deixou de tomar conta de mim.
Salva-me.Pelo menos do medo, que é o pior de tudo.

Começou a chover.
Perguntei-lhe se queria um café.
Ela disse que nao e levantou-se.
A chuva ameaçava engordar.Corri para o abrigo do enorme toldo vermelho.
Fiquei a ve-la ir-se, com as costas direitas e o passo seguro.
Aquela mulher estava morta.
Pode-se morrer de solidao?

1 comentario:

  1. noite
    mais uma vez
    sao tantas noites
    a mesma

    e junto
    partindo

    começo

    todo começo sempre começa na morte

    entao morramos
    de uma morte incomodante
    como um bálsamo rubro
    que tenhamos que engolir

    morramos amor
    como bolhas de sabao
    que nascem tao lindas e tao frágeis
    que a gente sabe que elas nunca chagarao ao céu

    nao transformaríamos a linda bolha de sabao
    em vidro fosco
    amargo
    parado
    e frio

    por isso morramos
    que é pra começar

    o ônibus sai
    e eu me abstenho de voce
    prefiro passar os ultimos momentos contigo
    comigo
    escreve
    encravo
    escarro
    do meu rosto
    os ultimos resquícios de amor
    e te mostro
    pra que também estejas contigo
    comigo

    agora

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